São Paulo, 14 de março de 2020
Nº 004/20 – semana 2
Síntese geral: A semana foi marcada por grandes turbulências mundiais, com a queda dos preços do petróleo, impulsionado pela Arábia Saudita em uma disputa com a Rússia e logo depois pela classificação da OMS do surto de coronavírus como uma pandemia, rebatendo em uma queda abrupta do mercado financeiro. O debate e pressão agora é em saber quais as medidas que serão adotadas pelos governos para minimizar essa queda que já é considerada maior que a de 2008. No Brasil, o esforço do governo em manter sua fidelidade a política de austeridade se mantém, mas vem enfrentando fortes pressões para apresentar saídas para os setores da economia, emprego e renda. A indústria, mesmo com um bom resultado de janeiro, enfrentará uma dura conjuntura internacional, dentro de um quadro de desindustrialização estrutural que vem sofrendo. Do outro lado, a China busca formas de retomar a produção e os serviços, com a propagação do vírus sobre controle.
I. INTERNACIONAL
1. A semana já inicia com uma forte queda de todas as bolsas no mundo por conta da notícia do aumento da produção do petróleo e queda no seu preço feito pela Arábia Saudita como resposta à Rússia que se negava em diminuir sua produção para impedir a queda dos preços do produto. O objetivo é ganhar o mercado do petróleo russo, com essa estratégia. Foi a maior queda nos contratos futuros de petróleo desde a Guerra do Golfo, em 1991.
2. Contudo, essa briga entre OPEP e Rússia é só uma parte dessa conjuntura de crise. O coronavírus mantem-se como o principal vetor que ameaça a economia mundial. Com a classificação de pandemia, a propagação do surto epidêmico em todo o globo, feita pela OMS, mais uma vez na semana os mercados financeiros tiveram fortes quedas, em níveis semelhantes ao da crise de 2008. A queda, segundo alguns analistas econômicos, deve-se ao descontentamento à falta de ação dos governos centrais intervirem nesse quadro.
3. Embora os principais países do centro permaneçam presos a ideia que a austeridade fiscal é a grande saída para a crise, medidas para conter a crise começam a ser desenhadas. Na quinta feira para conter uma queda ainda maior no mercado financeiro, o FED (banco central dos EUA) anunciou a injeção de US$ 1,5 trilhão no mercado, evitando maiores quedas. Um pacote de medidas é construído pelos EUA como a desoneração da folha de pagamentos e a disponibilização de recursos maiores para serem emprestados a pequenas empresas, além do fechamento dos aeroportos para voos com a Europa, exceto Reino Unido.
4. A Itália também noticiou o adiamento do pagamento de dívidas pelas pessoas e empresas e linhas de crédito rotativo para pequenas empresas. A UE também informou a criação de um fundo de € 25 bilhões com o intuito de ajudar os setores mais vulneráveis.No sentido contrário, com a propagação do vírus já controlada pela China, o país busca retomar a produção, diante de uma previsão de queda do crescimento no primeiro trimestre do ano.
5. A pandemia poderá provocar uma queda nos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) na economia global em torno de 5% a 15% e os maiores prejudicados serão os países em desenvolvimento, segundo o último relatório da UNCTAD. Na América Latina o quadro já era de grande fuga de capitais, apresentando uma saída de US$ 30 bilhões de janeiro para cá, mais do que na crise global de 2008. Ao que tudo indica, estamos na metade da pior saída de capitais já registradas, segundo reportagem no El País.
II. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
6. A dúvida sobre o crescimento do PIB brasileiro próximos de 2% foram dissipados com os últimos acontecimentos do ano, com previsões de alta de 0,9% a 1,4% ou mesmo uma possível recessão nesse ano. Para professora Leda Paulani, em uma entrevista sobre os efeitos da crise no mundo no Tutaméia, crescer 1% no ano já será um grande feito.
7. O governo se esforçou por dizer que não era preciso quaisquer medidas de intervenção contra a crise, firme em suas políticas de austeridade e pressão pelas reformas de retirada de direitos. Contudo, com a intensificação da queda da bolsa de São Paulo e a desvalorização do real, o Tesouro e Banco Central interviram no mercado financeiro, injetando dólares com a recompra de títulos públicos. A Caixa Econômica Federal ampliou a linde de capital de giro em R$ 50 bilhões como medida preventiva, o governo federal indicou que antecipará o pagamento de 50% do 13º salário para os aposentados e pensionistas do INSS e avalia a liberação dos recursos do FGTS. Um pacote emergencial foi apresentado no fim da semana por Guedes que estão resumidos nessa reportagem da Folha de São Paulo. A pressão maior é para que o governo reative medidas de investimento público, invertendo o esvaziamento do BNDES para isso.
8. Contudo, mesmo diante de todas as medidas é certo que as margens para essa mudança são bem distintas do que a economia se encontrava em 2008. A SELIC já se encontra em patamares historicamente baixos, embora é possível baixa-los mais.
III. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
9. Com a intensificação da crise, o foco voltasse para o BNDES e a necessidade de atuar como ferramenta principal para o apoio ao setor privado, como medidas contracíclicas. Contudo, ainda há fortes vozes no governo em atacar o banco de investimento, como a pressão feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por explicações sobre US$ 5 bilhões aplicados no financiamento a exportações de serviços de engenharia e em aquisições da JBS, apesar da auditoria feita no banco não tenha indicado nenhuma irregularidade.
10. O debate da reforma tributária permanece, embora ofuscado pela crise da semana. Um novo estudo da FGV sobre a PEC 45, aponta que o novo imposto único (Imposto sobre Bens e Serviços – IBS) tem a capacidade de reduzir em média 3,8% dos preços na indústria, mas um efeito de alta no comércio e serviços em 4,27% e 5,01%. O impacto é bem diverso sobre cada setor.
11. O risco econômico hoje avaliado pela governo se encontra na redução da arrecadação, por conta da queda do preço do barril e da economia mais lenta. Seguindo a política de austeridade, o que se projeta é mais contingenciamento por conta da baixa arrecadação esperada. Seguem firmes em não mexer no teto dos gastos.
IV. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
12. A inflação do mês de fevereiro medida pelo IPCA/IBGE veio mais alta do que o esperado, subindo 0,25%, mas no acumulado de janeiro e fevereiro ficou em 0,46%, a menor taxa desde 1995. Embora tenha apresentado essa alta no mês a previsão é que não tenha um impacto inflacionário, mesmo com a alta do dólar. Corroborando nessa linha, a Petrobras reduziu os preços dos combustíveis nas refinarias, o que terá impactos nos resultados da inflação desse mês.
V. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
13. Uma reportagem do Valor Econômico, mostra como a crise atual irá impactar os trabalhadores informais e por conta própria. Boa parte dos trabalhadores ouvidos temem tanto contrair a doença ou mesmo ter que ficar de quarentena, prejudicando seus rendimentos diários com vendas e prestação de serviços, como também a queda na demanda, pela redução da circulação de pessoas. A falta de proteção trabalhista, sem a possibilidade de acesso a INSS ou FGTS amplia essa preocupação. Um artigo do ex-diretor técnico do DIEESE, Clemente Ganz, além das medidas que o governo federal deveria tomar para enfrentar a crise, lista outra séria de medidas no intuito de preservar o emprego e renda.
VI. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
14. Em meio ao turbilhão de notícias de crise, os resultados da produção industrial medidos pelo PMI/IBGE de janeiroapresentaram crescimento de 0,9% em comparação a dezembro de 2019. Mas ainda assim, mantém queda de 1% no acumulado de 12 meses. Foram 17 de 24 segmentos que indicaram crescimento, com destaque para a produção de máquinas e equipamentos, com alta de 11,5% e do setor de automóveis, com crescimento de 4%.
15. Embora com crescimento de 4% do setor de automóveis, que tem uma grande importância para o Brasil (5% do PIB e 20% do PIB Industrial), não foi capaz de cobrir as perdas dos três meses passados, ficando ainda com um saldo negativo de 6,2%. Segundo a reportagem do El País, existe uma forte probabilidade de ter paralisação da produção nesse mês por conta da falta de abastecimento de autopeças que vem da China.
16. Já no agronegócio, vem apresentando elevado crescimento dos grãos de soja e milho no mundo, com uma queda das cotações relativamente menor que dos demais produtos comercializados no mundo. Segundo a reportagem do Valor Econômico, 20,27% da produção estimada da soja no ciclo de 2020/21 já estão vendidas. No aso do milho já foram vendidas 15,17% da produção que se inicia apenas no semestre que vem.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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