São Paulo, 28 de março de 2020
Nº 004/20
Síntese geral: A crise que se avizinhava no mundo e no Brasil estourou no mês de março com a briga em torno da produção e preço do petróleo e a pandemia do novo coronavírus (Covit-19). As novas projeções para o crescimento mundial diante da pandemia anunciada têm sido apresentadas e o que tudo indica é um quadro de recessão nesse ano e uma possibilidade de grande depressão. Várias medidas vêm sendo tomadas pelos governos e já se encontram no valor de US$ 5 trilhões para injetar na economia, mas ainda assim o desemprego desponta como a variável que vai apresentar um forte crescimento. Enquanto isso no Brasil, apesar da projeção de queda de 4,4% no PIB esse ano, as medidas para conter a epidemia anunciadas pelo governo estão em R$ 782 bilhões e uma injeção do BC no mercado financeiro de R$ 1,2 trilhões. Mesmo com o crescimento da indústria em janeiro, os empregos nos diversos setores já projetam queda e na indústria, setores estratégicos como o de automóveis começaram as paradas e o setor de petróleo e gás em escala global começa a anunciar adiamento de investimentos e corte de gastos.
I. INTERNACIONAL
1. A segunda semana do mês já inicia com uma forte queda de todas as bolsas no mundo por conta da notícia do aumento da produção do petróleo e queda no seu preço feito pela Arábia Saudita como resposta à Rússia que se negava em diminuir sua produção para impedir a queda dos preços do produto. O objetivo é ganhar o mercado do petróleo russo, com essa estratégia. Foi a maior queda nos contratos futuros de petróleo desde a Guerra do Golfo, em 1991. Contudo, com a classificação de pandemia, a propagação do surto epidêmico em todo o globo, feita pela OMS, mais uma vez os mercados financeiros tiveram fortes quedas, em níveis semelhantes ao da crise de 2008. A queda, segundo alguns analistas econômicos, deve-se ao descontentamento à falta de ação dos governos centrais intervirem nesse quadro.
2. O cenário de crise se intensificou pelo mundo e o receio de enfrentarmos uma das maiores crises desde a de 1930 se tornam reais, estando no horizonte a possibilidade de uma grande depressão (recessão mais profunda e longa). As projeções para o PIB feitas pelos bancos de investimento já apontam queda de 10% a 15% na zona do euro para o segundo trimestre e nos EUA uma queda de 14%. O JP Morgan já prevê para o ano de 2020 uma queda de 1,5%.
3. A pandemia poderá provocar uma queda nos Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) na economia global em torno de 5% a 15% e os maiores prejudicados serão os países em desenvolvimento, segundo o último relatório da UNCTAD. Na América Latina o quadro já era de grande fuga de capitais, apresentando uma saída de US$ 83 bilhões de janeiro para cá, mais do que na crise global de 2008.
4. Com a queda nas atividades que estão contendo o consumo, as projeções de aumento do desemprego nos setores diretamente ligados ao serviço serão altas. Segundo os dados projetados pelo Citigroup o número de pedidos de seguro desemprego já está em 4 milhões, semana passada estava em 281 mil pedidos, um salto vertiginoso. O que se avizinha é uma grande crise do crédito, com a impossibilidade de os trabalhadores cumprirem seus compromissos com as dívidas adquiridas. A onda de demissões projetadas pelas associações comerciais dos EUA pode chegar a 12,6 milhões.
5. O G-20, em reunião com os ministros da finanças e banqueiros centrais se reuniram para pactuar uma estratégia comum para tirar a economia global da crise, ampliando a liquidez da economia ao prometer a injeção de US$ 5 trilhões. Nos EUA o pacote de estímulo na economia é de US$ 2 trilhões (equivalente a 9% do seu PIB) sendo, US$ 290 bilhões como pagamento de até US$ 1.200 para cada estadunidense, US$ 260 bilhões de auxílio aos desempregados, US$ 377 bilhões de empréstimos a pequenas e médias empresas, US$ 536 bilhões de ajuda as aéreas e grandes empresas, US$ 402 bilhões para os estados, hospitais e educação e US$ 285 bilhões de corte de 50% do imposto sobre a folha de pagamentos para empresas que não demitirem.
II. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
6. Com a instabilidade no mercado de ações, o Ibovespa (bolsa de valores de São Paulo) já acumulou desde o dia 23 de janeiro uma queda de 41,7%, com as empresas que compõem seu índice tendo uma perda de R$ 1,63 trilhão, tendo a Petrobrás a empresas que mais perdeu nesse processo saindo de um valor de R$ 223,7 bilhões para R$ 174,5 bilhões, influenciado principalmente pela queda dos preços do petróleo.
7. Diferente do defendido pelo ministro da economia Paulo Guedes que o Brasil se encontrava em um momento de crescimento econômico antes da epidemia, os dados sobre as do varejo de janeiro, medidos pelo IBGE na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), teve um recuo de 1% no mês comparado a dezembro de 2019, com destaque para a queda das vendas nos supermercados em 1,4%. Com a crise do Covit-19 as projeções de queda para fevereiro e março serão maiores. Já os dados da Pesquisa Mensal de Serviço (PMS) também do IBGE mostraram um leve crescimento em janeiro de 0,7%, mas a previsão é que serão os setores mais atingidos por conta do isolamento social provocado pelo novo coronavírus. Por fim, o indicador de atividade do BC (IBC-Br) que antecipa os dados do crescimento do PIB apresentou um crescimento em janeiro de 0,24%, abaixo das projeções já indicando o esfriamento econômico que o país vivia.
8. As projeções para o PIB brasileiro já despencaram de um baixo crescimento ou estagnação para uma possível recessão. Segundo o estudo do Centro de Estudos em Macroeconomia Aplicada da FGV a queda pode ser de 4,4% para 2020, a maior retração registrada desde 1962, tendo como causa um grande choque externo, que é o impacto do novo coronavírus na China, Europa e EUA. No pior cenário os efeitos da crise podem perdurar até o ano de 2023 e no melhor dos cenários até o ano que vem.
III. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
9. NO início do mês foi apresentado os resultados da balança comercial de fevereiro que fechou com superávit, invertendo a déficit do mês anterior. Comparando o bimestre desse ano com de 2019, o setor que apresentou maior crescimento nas exportações foi produtos básicos, com um crescimento de 6,2%. O setor de produtos semimanufaturados e de manufaturados tiveram queda de 12,6% e 13,8% respectivamente. Nas importações, na mesma comparação bimestral, o setor de bens de capital teve um crescimento de 33,7%. A queda dos preços nos produtos básicos ainda não refletiu nos resultados desse mês, o que pode aparecer nos demais meses, pressionando o bom resultado desse setor.
10. Mas com a intensificação da crise, todos as notícias se voltaram para essa questão e o apelo para flexibilizar as políticas de austeridade não só tem crescido entre diversos economistas do mercado, defendendo injetar mais recursos diretos na população (jogar ‘dinheiro de helicóptero’), como também ganhado espaço dentro do governo federal, entendendo o tamanho da crise vivida. Já está sendo discutido medidas para afrouxar a Lei de Responsabilidade Fiscal (regra de ouro) e se for necessário o uso dos recursos do fundo eleitoral, que podem chegar a R$ 400 bilhões.
11. O pacote de medidas anunciado pelo governo federal reúne um conjunto de ações (40 medidas) no combate ao novo coronavírus e os efeitos da crise econômica no país no valor de R$ 781,7 bilhões. Desse recurso são R$ 561,2 bilhões para programas de ampliação e facilitação de crédito, R$ 113,2 bilhões em suspensão temporária de tributos ou antecipação de pagamentos já previstos, R$ 48,1 bilhões em recursos direto à população, R$ 31 bilhões para saúde, estados e municípios e R$ 28,3 bilhões em remanejamento de verbas.
12. No mercado financeiro o Banco Central injeta um pacote de R$ 1,216 trilhão (5 vezes mais do que o usado na crise de 2008), projetando que esse valor chegue a economia real através de empréstimos bancários, impedindo que esses retraiam o crédito direto no mercado por receios com as projeções futuras. Hoje a soma de todos os ativos líquidos no balanço dos bancos equivale a R$ 1 trilhão, sendo o pacote do governo superior ao montante total já existente. O DIEESE entendendo a insuficiência das medidas, apresentou uma série de propostas para o sistema financeiro no intuito de proteger os setores mais vulneráveis da economia, como os trabalhadores e trabalhadoras informais, que pode ser visto aqui.
IV. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
13. A inflação do mês de fevereiro medida pelo IPCA/IBGE veio mais alta do que o esperado, subindo 0,25%, mas no acumulado de janeiro e fevereiro ficou em 0,46%, a menor taxa desde 1995. Embora tenha apresentado essa alta no mês a previsão é que não tenha um impacto inflacionário, mesmo com a alta do dólar. Corroborando nessa linha, a Petrobras reduziu os preços dos combustíveis nas refinarias, o que terá impactos nos resultados da inflação desse mês.
14. A previsão da inflação para esse ano diante da crise segundo as consultorias é de queda, podendo o IPCA/IBGE ficar em 2,5% no ano de 2020, bem abaixo das projeções do BC que eram de 3,75%. A queda tem muito mais relação com o esfriamento que o setor de serviços começa a viver do que propriamente as reduções do preço dos combustíveis que vem sendo anunciado pela Petrobras, por conta da queda do preço do barril do petróleo.
15. O Banco Central, olhando para as medidas tomadas no mundo decidiu baixar 0,75% da taxa Selic, fechando em 3,75% ao ano. Uma redução muito tímida diante das demais ações dos Bancos Centrais no mundo e de uma baixa forte na expectativa da inflação no Brasil.
V. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
16. Uma reportagem do Valor Econômico, mostra como a crise atual irá impactar os trabalhadores informais e por conta própria. Boa parte dos trabalhadores ouvidos temem tanto contrair a doença ou mesmo ter que ficar de quarentena, prejudicando seus rendimentos diários com vendas e prestação de serviços, como também a queda na demanda, pela redução da circulação de pessoas. A falta de proteção trabalhista, sem a possibilidade de acesso a INSS ou FGTS amplia essa preocupação. Um artigo do ex-diretor técnico do DIEESE, Clemente Ganz, além das medidas que o governo federal deveria tomar para enfrentar a crise, lista outra séria de medidas no intuito de preservar o emprego e renda.
17. Entre as medidas para atenuar a crise, o governo federal apresentou a MP 927 que vinha com uma série de propostas de corte de direitos trabalhistas, entre a mais gritante a possibilidade de suspensão temporária do emprego sem pagamento de salário. O DIEESE escreveu uma nota que analisa essa proposta e outra nota analisando as propostas do patronal e a relação com as apresentadas pelo governo. Contudo, com a pressão que sofreu após essa apresentação, anulou o artigo que não indicava o pagamento de salários. Outra discussão que circula no governo federal é a possibilidade de corte dos salários dos servidores públicos, mas ainda em discussão com mais resistências que defesas.
18. As estimativas para o desemprego esse ano podem chegar a 25,5%, segundo a LCA Consultores, levando em consideração que a queda de 1% no PIB leva a mais de 1 milhão de desempregados. O desemprego só não será tão acentuado por conta do chamado “desalento”, quando a pessoa desiste de procurar emprego, visto que o isolamento social e fechamento dos estabelecimentos temporariamente levarão a essa queda na procura de emprego.
VI. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
19. Com os resultados do PIB 2019 divulgados, o detalhamento da participação da indústria de transformação no PIB é apresentado, caindo para a menor proporção, ficando em 11%. Em uma conjuntura de provável recessão mundial, tudo indica mais pressão sobre o setor produtivo. Já os resultados da produção industrial medidos pelo PMI/IBGE de janeiro apresentaram crescimento de 0,9% em comparação a dezembro de 2019. Mas ainda assim, mantém queda de 1% no acumulado de 12 meses. Foram 17 de 24 segmentos que indicaram crescimento, com destaque para a produção de máquinas e equipamentos, com alta de 11,5% e do setor de automóveis, com crescimento de 4%.
20. Embora com crescimento de 4% do setor de automóveis, que tem uma grande importância para o Brasil (5% do PIB e 20% do PIB Industrial), não foi capaz de cobrir as perdas dos três meses passados, ficando ainda com um saldo negativo de 6,2%. Assim, como nos demais países que possuem plantas fabris, as Montadoras de automóveis começam a paralisar a produção no país e adiar os investimentos no setor por conta da crise da epidemia do novo coronavírus. Além de usar as formas clássicas como férias coletivas e layoff, algumas plantas tem feito demissões de seus trabalhadores, como a Caoa Chery em São Jose dos Campos, como mostra a reportagem sobre o tema. Mais nove montadoras já anunciaram paralisação sendo Volkswagen, BMW, Peugeot, GM, Fiat, Ford, Toyota, Honda e Mercedes-Bens.
21. O setor que mostra uma tendência contrária é a da defesa, que apresentou um crescimento de 32% nas exportações brasileiras, recorde no setor. Segundo o secretário de Produtos de Defesa o efeito multiplicador na economia do setor é alto, onde para cada R$ 1 investido, são alavancados outros R$ 9, com trabalho altamente qualificado e alta intensidade tecnológica. São 1.100 empresas do setor, com 285 mil trabalhadores diretos e 850 indiretos.
22. Já no agronegócio, vem apresentando elevado crescimento dos grãos de soja e milho no mundo, com uma queda das cotações relativamente menor que dos demais produtos comercializados no mundo. Segundo a reportagem do Valor Econômico, 20,27% da produção estimada da soja no ciclo de 2020/21 já estão vendidas. No aso do milho já foram vendidas 15,17% da produção que se inicia apenas no semestre que vem.
23. A queda do preço do petróleo tem pressionado os planos de investimento da Petrobras, que fez um corte de 29% para esse ano, além da queda do preço de suas ações pela instabilidade vivida nas bolsas nesse último período. A estratégia do empresa de se desfazer de boa parte de seus ativos, privatizando as refinarias joga contra a própria empresa, pois em um momento de queda das exportações do petróleo cru, o mais certo era aumentar a taxa de utilização de suas refinarias, abastecendo o mercado interno, o que não está em seus planos de privatizações, como observa o pesquisador Rodrigo Leão em artigo no Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo.
24. É uma tendência internacional das petroleiras buscarem preservar seu caixa diante da queda do preço do petróleo e da demanda retraída diante da pandemia d covid-19. Além da Petrobrás outras empresas têm anunciado o adiamento dos investimentos e corte de gastos como a ExxonMobil, Total, Equinor e BP, com o preço do barril estimado próximo a US$ 25.
25. Embora as empresas estejam pressionando por mais medidas que reativem a economia e o fim do isolamento social e retorno ao trabalho com o objetivo de impedir uma crise maior em suas contas, um levantamento do Valor com as principais empresas não financeiras com ações negociadas na bolsa, mostra que mesmo mantendo as atividades paralisadas, tem uma folga grande em seu caixa tendo possibilidades de pagar os salários integralmente sem prejudicar suas finanças em até 12 meses.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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