São Paulo, 07 de fevereiro de 2020
Nº 003/20 – semana 1
I. INTERNACIONAL
1. O impacto do coronavírus na economia mundial foi a grande preocupação do início de fevereiro. Agências governamentais até consultorias especializadas apresentaram as incertezas no crescimento econômico. A OMC avalia as consequências reforçando o papel da China no comércio global, que hoje concentra 13% das exportações e 11% das importações de mercadorias do mundo. Segundo a UBS, banco suíço, a projeção para o PIB chinês foi revisada para 5,5%, em vez de 6% como o esperado. O FMI também avalia queda no comércio global, mas não apresentou novas projeções.
2. Nos diversos setores já é possível identificar seu impacto. Na indústria, a montadora de automóveis Hyundai, na Coreia do Sul, anunciou o fechamento de suas fábricas por não ter as peças que vem da China. Se não houver alterações nas próximas semanas é possível que paralisem suas fábricas na Europa e EUA. Dentro da China, as fábricas de automóveis alemãs (Volkswagen e BMW) fecharam temporariamente suas portas. O mesmo para o segmento de eletrônicos com a principal fábrica da Apple, Foxconn, com uma média de 200 mil trabalhadores, também paralisaram suas operações.
3. Com essas reduções na produção industrial, o setor de energia da China estima uma queda de 25% do consumo de petróleo nesse mês. Também se observa a paralisação da Construção Civil, com queda nas vendas. Na logística, como último indicador de queda no comércio mundial, a contratação de navios apresentou queda de 20% desde 20 de janeiro, segundo Alphaliner. O impacto pode ser visto também nos preços das principais commodities que tem caído por conta da epidemia, tendo a soja apresentado uma queda de 7,2% do seu preço, o petróleo uma queda de 12% e o minério de ferro apresentou uma queda na sua cotação de 13%.
4. Por outro lado, o governo chinês tem aplicado medidas fortes para manter a economia, injetando recursos no mercado de ações para evitar queda na sua moeda, bem como incentivando empresas que produzem bens indispensáveis para a sociedade, subsidiando o pagamento de juros das empresas, para evitar o desabastecimento de alimentos. O elogio do diretor-geral da OMS a China no combate ao vírus é sintomático: “A velocidade com que a China detectou o surto, isolou o vírus, sequenciou o genoma e o compartilhou com a OMS e o mundo é muito impressionante, difícil de definir. O mesmo vale para o compromisso da China com a transparência e o apoio a outros países. De muitas maneiras, a China está realmente estabelecendo um novo padrão para a resposta a surtos. Não é um exagero”
II. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
5. Ainda sobre o coronavírus e as projeções do banco UBS, a avaliação é de um impacto negativo no crescimento brasileiro. Da expectativa inicial de 2,5% no ano de 2020, foi atualizada para 2,1%. Para o ano de 2021 avaliam que o quadro se inverterá tendo inicialmente uma expectativa de crescimento de 2,5%, agora atualizado para 2,8%, por conta da avaliação que a China terá uma reação rápida no combate a epidemia.
6. Para o governo federal não há porque fazer mudanças na previsão do PIB brasileiro, confiantes que tudo se manterá segundo o planejado. O maior temor para a economia brasileira é o acordo EUA-China, que poderá infringir perdas nas exportações brasileiras, em especial no setor do agronegócio, visto que o país conquistou espaço deixado pelos EUA em determinados segmentos como do algodão e soja, o que pode ser revertido com o novo acordo.
III. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
7. Na tentativa de não deslegitimar a EC do teto dos gastos, o “novo regime fiscal”, o governo federal deixou fora desses limites o pagamento do Tesouro à Petrobras, as transferências extraordinárias a Estados e municípios do leilão do pré-sal e as capitalizações de estatais feitas no fim do ano. Com isso, foram R$ 55 bilhões não contabilizados dentro dos limites do teto dos gastos. Diversos economistas não ligados ao pensamento neoliberal e até mesmo o Banco Mundial defendem que os investimentos públicos não deveriam ser contabilizados nesses limites, o que é rechaçado pelo atual governo. Essas manobras fiscais mostram a impossibilidade de manter esse “novo regime fiscal” e objetivar um crescimento econômico do país.
8. Ainda buscando recursos que auxiliem em seus números, o BNDES vendeu as ações da Petrobras em sua posse pelo valor total de R$ 22 bilhões. O banco já se desfez no ano passado nas ações da Marfrig, Light e projeta agora a venda das ações da JBS. Como um dos resultados desse processo, o governo federal teve um forte aumento nas receitas de dividendos em 2019, melhorando os resultados primários que buscou. A expectativa para esse ano é que esses dividendos aumentem com as vendas das ações do BNDESPar e da abertura de capital da Caixa Seguridade e da Caixa Cartões.
9. Nas contas externas, o resultado de janeiro da balança comercial apresentou queda de 20,2%, o que pode ser explicado ainda pelo fraco desempenho da economia mundial. Em janeiro de 2019 estava com um superávit de US$ 1,7 bilhão e agora fecha o mês de 2020 com um déficit de US$ 1,75 bilhão. Os produtos básicos apresentaram uma queda nas exportações de 11,9% (a soja teve queda de 26,9%), os semimanufaturados queda de 25,2% e os manufaturados uma queda de 27,7%.
10. A busca por resultados imediatos e a falta de um projeto de desenvolvimento é observado nos dados sobre o Investimento do 4° trimestre medido pelo IPEA. Houve uma queda de 2,7% de outubro a dezembro, sendo a mais intensa nos últimos três anos. A expectativa era de um crescimento 0,2%. O principal responsável foi a queda do consumo aparente de máquinas e equipamentos de 9,2%. A Construção Civil teve uma queda de 2,4%.
IV. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
11. A inflação medida pelo IPCA/IBGE teve uma variação de 0,21% em janeiro, o menor resultado para o mês de janeiro desde o início do Plano Real, segundo o IBGE. Um dos maiores impactos foi na queda dos preços da carne que de uma alta de 18,06% em dezembro apresentou um recuo de 4,03% em janeiro.
12. Na linha de uma inflação baixa, o Banco Central decidiu por mais uma queda na taxa básica de juros (SELIC) de 0,25, ficando em 4,25% ao ano. Em seu anúncio indica que por hora não haverá mais cortes, com uma projeção da inflação para o ano de 2020 de 3,75%, com meta oficial de 4%, câmbio de R$4,25 e manutenção do crescimento econômico já indicado.
13. Um dos objetivos da redução da SELIC é incentivar o consumo para reanimar a economia. Segundo os dados do Banco Central o endividamento das famílias voltou a crescer com o comprometimento da renda efetiva acumulada em 12 meses em 44,9%. Em 2018 para o mesmo período estava em 42,6%. Esse endividamento é explicado por alguns economistas pela redução dos juros e do aumento da confiança dos consumidores.
14. Contudo, se houve um aumento na confiança dos consumidores, a redução da Selic não contribuiu para a redução dos juros do crédito que reforçasse para o endividamento das famílias de forma sustentável. O balanço do crédito de 2019 mostrou o contrário, com os bancos aumentando os spreads praticados, sem repassar a redução para os seus clientes. No ano passado a taxa média do crédito foi de 23,2% em dezembro de 2018 para 23% em dezembro de 2019, enquanto a SELIC foi de 6,5% para 4,5%. A taxa do cheque especial caiu 10,1%, mantendo uma taxa anual de 302,5%.
V. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
15. Na linha de fogo do governo federal e sua busca por cortar os direitos trabalhistas e sociais, a reforma administrativa que ele vem tentando emplacar ataca frontalmente os trabalhadores do serviço público. O Intuito é institucionalizar diversas outras formas de contratos tanto temporários como por prazo indeterminado e sem estabilidade. Hoje os temporários já são mais de 10% dos servidores da União, com uma queda de 7,5% de funcionários contratados no Regime Jurídico Único. Foi um crescimento de 48% de 2015 a 2019 das contratações de temporários.
16. Na análise do emprego industrial medido pelo IBGE, embora tenha apresentado um crescimento de 3% em 2019, a concentração desse emprego foi em pequenas empresas individuais e em postos de trabalho sem carteira assinada. Gerou 310 mil novas ocupações, mas de forma extremamente precarizada. Suas ocupações se restringem a produção de alimentos em casa, confecção de roupas no domicílio e fabricantes de pequenos móveis.
VI. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
17. Na esteira dos postos de trabalho precarizados e uma economia que não consegue reagir, os dados da produção industrial no Brasil medidas pelo IBGE apresentaram uma queda para o ano de 2019 de 1,1%. Entre os “culpados” dessa queda no ano passado são o crime da Vale em Brumadinho, a crise argentina e a fraca retomada da economia. Contudo, é um quadro que já vem de um longo período de desindustrialização com forte perda da importância da indústria na economia brasileira.
18. Na balança comercial da indústria encerrou o ano com um déficit de US% 34,1 bilhões, um aumento de 32%. As exportações caíram 7,9% e as importações apenas 1,6%. Os ramos com maior tecnologia é que tem sofrido mais como o ramo aeronáutico, farmacêutico, veículos, produtos químicos e máquinas e equipamentos.
19. Segundo o IEDI, 44% da indústria passa por recessão (41 subsetores de 93). Dos demais, 11 mantem-se estagnados e os outros 41 cresceram mais de 1%. Com esses resultados, o investimento externo no setor em participação de capital apresentou também uma queda de 41%, com pouca confiança estrangeira na retomada do crescimento da indústria local.
20. Como um elemento a mais para complicar esses resultados e expectativas para o ano que se inicia, o impacto do coronavírus na China já se faz sentir na indústria brasileira, indicando a falta de matéria-prima para determinados setores. A fábrica Flextronics, em Jaguariúna/SP, que monta os celulares da Motorola indicou que vai parar a produção dos celulares dos dias 17 a 26 de fevereiro por conta da falta de insumos. O mesmo informa a fábrica da Samsung, em Campinas, que vai parar sua produção por três dias. A fábrica de calçados Bibi de Parobé (RS) reduziu sua produção pela falta de insumos vinda da China também.
21. Segundo a Associação da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), 52% das empresas sondadas estão com problemas de abastecimento de insumos da China. O mesmo para a exportação de petróleo cru, visto que a China é o principal país importador de Petróleo da Petrobras, cerca de 72% do total vai para esse país.
22. No Agronegócio, na tentativa de minimizar a imagem ruim no mundo em relação a Amazônia e nos temas ambientais, o governo federal criou o Conselho da Amazônia, que ficará sob o comando do vice-presidente Mourão. Mas extremamente alinhado com o agronegócio que pressiona pelo fim da moratória da soja na região. Outro plano que joga no sentido contrário aos olhos do mundo está o projeto para exploração econômica em terras indígenas que retira desses o poder de veto contra a extração de recursos minerais, petróleo e gás e construção de hidrelétricas. Nem as empresas transnacionais estão certas se deveriam investir nessa defesa por receio de serem condenadas moralmente no mundo.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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