São Paulo, 18 de abril de 2020
Nº 005/20 – semana 3
Síntese geral: A conjuntura internacional se complica com tensões entre os países sem perspectivas de saídas rápidas da crise. A disputa entre EUA e China se mantém, com o primeiro pressionando os demais órgãos internacionais, bem como na União Europeia que vem sofrendo atritos internos por conta da falta de solidariedade aos seus membros que mais sofrem com o coronavírus. Os indicadores sobre a queda do PIB continuam sendo atualizados para baixo a cada semana, fechando a projeção de queda do PIB brasileiro em 5%, segundo o FMI e Banco Mundial. Como desdobramento da crise, a queda da arrecadação e aumento dos gastos públicos como medidas do governo já indicam um déficit primário para o ano de mais de R$ 515 bilhões e aumento da dívida pública para cobrir esses gastos. Nos planos de auxílio a população, a ampliação de pessoas com direito ao acesso a ajuda já superam o número de 60 milhões e os acordos de redução de jornada e/ou suspensão do contrato de trabalho temporário já atingem mais de 1,7 milhão de trabalhadores. Por fim, a crise do petróleo caminha paralelo com redução do consumo e aumento do excedente da produção mundial, mesmo depois do acordo dos principais produtores em reduzi-lo.
I. INTERNACIONAL
1. O economista chinês Xie em entrevista para o Valor Econômico analisa o momento vivido e afirma o caráter de longo prazo da crise iniciada (em mais de 18 meses contra os três meses difundidos), com uma previsão catastrófica de queda do PIB chinês em 20% no ano de 2020. E aponta que estamos chegando no fim da era da globalização por conta das fragilidades das cadeias de fornecimento espalhadas pelo mundo, o processo será de volta a produção interna.
2. As medidas fiscais no mundo para conter a pandemia já totalizam US$ 8 trilhões, segundo o FMI, além da injeção de liquidez no sistema financeiro no valor de US$ 6 trilhões pelos Bancos Centrais para ajudar em linhas emergenciais e programas de compras de ativos. Sendo assim, o FMI criou uma linha emergencial de crédito para injetar liquidez em dólares nos países emergentes. As regiões que já receberam a ajuda podem ser vistos nesse mapa do site do FMI.
3. A Argentina no processo de renegociação de sua dívida externa, pediu a moratório no seu serviço com a suspensão de pagamentos por três anos, desconto de 62% sobre o total dos juros e 5% sobre o estoque da dívida. A proposta teve o apoio do FMI e aguarda resposta dos credores em até 20 dias.
4. A crise tem intensificado a guerra comercial e política entre os países, ameaçando a hegemonia dos EUA. A reação ao combate ao vírus tem dado destaque a China contra os EUA, com respostas cada vez mais protecionistas contra o mundo. Entre as medidas dos EUA está a decisão de Trump suspender o financiamento para a OMS, com a alegação do órgão ser condescendente com a China e não alertar adequadamente sobre a ameaça do Covid-19.
5. As mesmas tensões e embates vive a União Europeia com a intensificação da crise em certos países e a negação por parte dos melhores posicionados em ir em socorro desses. Esse quadro já vem sendo tensionado com a falta de solidariedade com primeiro com o país italiano e sua crise e depois com a Espanha, como observa o extenso artigo do jornal The Guardian sobre a movimentação do sistema financeiro mundial.
II. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
6. Embora os dados do mês de fevereiro calculados pelo IBC-Br (Banco Central) indicaram um crescimento de 0,35%, as novas projeções para o PIB mundial e do Brasil mostram o impacto do coronavírus no mundo. Segundo o Banco Mundial, a queda do PIB esse ano para o Brasil é de 5%, enquanto na América Latina a queda pode ser de 4,6%. Já para o FMI a projeção de queda para o Brasil é de 5,3%, no mundo o fundo prevê uma queda de 3%, a pior recessão desde os anos 30, com “a magnitude e velocidade do colapso da atividade econômica é diferente de tudo o que já aconteceu na nossa época”, atingindo a maioria dos países.
7. Os impactos já são sentidos no Varejo que apresentou uma queda de 27,3% no faturamento nominal, segundo o Boletim da empresa Cielo sobre o impacto do Covid-19. O setor de transportes também já vem mostrando os resultados a partir da pesquisa de Impacto no transporte – Covid-19 da Confederação Nacional de Transporte, onde 84% das empresas do setor afirmam que terão uma forte queda do faturamento nos próximos 30 dias e 41,4% estão muito comprometidas em cumprir com as obrigações de pagamento.
8. O desencontro no governo federal com as prováveis saídas da crise é evidente. Se de um lado exista um plano de retomada a partir de obras públicas que pode gerar de 500 mil a 1 milhão de empregos e aportes em torno de R$ 30 bilhões propostos pelo Ministério da Infraestrutura e a construção de um “Plano Marshall” por parte do IPEA. Do outro lado, o secretário de Política Econômica do ministério da Economia reforça a necessidade de voltar as reformas de austeridade pós coronavírus.
III. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
9. Os dados antes da crise do coronavírus mostram que a arrecadação do governo federal já estava em queda no mês de março (que refletem a arrecadação de fevereiro antes das medidas de distanciamento social), com uma queda real de 5%, comparado ao mesmo mês do ano passado. Segundo o secretário especial da Receita Federal isso se deve pela arrecadação atípica do ano de 2019 e não uma queda normal desse ano. Ainda nos dados prévios a crise, a revisão das informações de exportação do primeiro trimestre apresentou uma queda de 9,3% em relação ao superávit apresentado anteriormente.
10. Já na crise, a perda da arrecadação tem sido generalizada com maior impacto nas grandes cidades pela alta dependência do Imposto Sobre Serviços (ISS), como mostra o estudo do Observatório de Informações Municipais. Outra perda de receita é com a redução de R$ 3,7 bilhões com royalties de petróleo, sendo a outra faceta da crise econômica atual, acompanhando a queda do preço do barril do petróleo que chegou a ser cotado na semana em US$ 25 (os cálculos da ANP foram com um preço de US$ 33 o barril). Por fim, a fuga de capitais estrangeiros continua já alcançando o valor de US$ 13,2 bilhões até o dia 3 de abril. Em todos os mercados chamados emergentes já foram mais de US$ 98 bilhões.
11. A queda de 5% do PIB, como projetado pelo FMI e Banco Mundial, pode levar a um déficit primário de R$ 515,5 bilhões e um aumento na dívida pública para 90,8% do PIB como forma de custear esse déficit, segundo o Ministério da Economia. Por hora, o impacto primário fiscal com as medidas é de 3,76% do PIB (R$ 284 bilhões). Segundo a Instituição Fiscal Independente em seu extenso relatório fiscal, a dívida pública pode chegar a 100,2% do PIB com crescimento projetado até 2030. Com essas incertezas a frente, a inviabilidade de estabelecer uma meta fixa para o déficit primário para os anos posteriores, bem como a manutenção do teto de gastos tem sido questionada, como mostra o mesmo estudo do IFI.
12. Os recursos dispendidos para o enfrentamento ao coronavírus já atingem a marca de R$ 1,16 trilhão, segundo o Ministério da Economia. Desse total, até R$ 212,4 bilhões vão para ações de apoio à população vulnerável e aos trabalhadores; R$ 133,4 bilhões para auxílio a estados e municípios; R$ 24,3 bilhões para ações de combate à pandemia (garantindo insumos e tratamento aos cidadãos) e R$ 524,4 bilhões em medidas de fluxo de caixa e apoio à manutenção do emprego pelas empresas. Segundo estudo do Ibre/FGV o volume de gastos já equivalem a 7,8% do PIB, sendo 5,7% em programas governamentais e 2,1% em crédito fiscal.
IV. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
13. A Petrobras faz mais um corte no preço do litro do diesel em 6% e da gasolina em 8%. Já é o 11º rebaixamento de preços da gasolina feita pela empresa diante da baixa dos preços internacionais do barril do petróleo, com a escassez da demanda diante da crise do coronavírus. Isso representa uma queda de 48,1% do preço da gasolina nas refinarias desde o início do ano de 2020.
V. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
14. A previsão de gastos do governo com a medida de auxílio emergencial que pagará o valor de R$ 600 para trabalhadores informais e desempregados era de R$ 98,2 bilhões. Contudo, com a aprovação na Câmara dos Deputados para ampliar o número de pessoas cobertas pelo programa elevará o crédito em mais R$ 10 bilhões. Os novos beneficiários não precisam estar com o CPF regularizado, podendo apresentar agora outro documento de comprovação, como RG ou carteira de trabalho. Isso eleva o número de cobertos em 8 milhões de pessoas.
15. Outra mudança no projeto de lei é permitir que pessoas que tiveram rendimentos tributáveis acima de R$ 28,5 mil em 2018 possam também acessar o programa, o que estava proibido anteriormente. São mais 7,5 milhões de pessoas beneficiadas com isso. Também incluem os pescadores artesanais, mães adolescentes (único caso para pagamento a menores de 18 anos), o pagamento duplicado para pais que cuidam sozinhos dos filhos (antes permitido apenas para as mães).
16. Segundo o balanço parcial da Caixa, já foram 38 milhões de pessoas cadastradas para o recebimento do benefício e até segunda-feira (20/04) serão creditados R$, 16,3 bilhões para 24 milhões de pessoas. Se a previsão de acesso ao auxílio era de 56 milhões de brasileiros, com essas alterações é possível que passe a marca dos 60 milhões de pessoas. Dos aptos para o auxílio, 51,2% estão concentrados no Nordeste, região duramente impactada pela recessão anterior, segundo o estudo da Consultoria Idados.
17. Da MP 936 que permite a redução de jornada com a redução de salários ou mesmo a suspensão de contato de trabalho por dois meses, segundo o Ministério da Economia já foram registrados em seu sistema mais de 1,7 milhão de acordos. Contudo, em relação a MP Verde Amarela, que precarizaria ainda mais as relações de trabalho, foi retirada da pauta de votações do Senado e se não votado até segunda-feira (20/04) não terá mais validade.
18. A fila do INSS supera o número de 1,6 milhão de pedidos de benefício com atraso de 45 dias ou mais para mais de 1 milhão das solicitações. É o que mostra a reportagem do valor dessa semana, tendo o presidente do INSS como objetivo zerar a fila até outubro como resposta. No intuito de acelerar as concessões, o governo anunciou a antecipação de R$ 1.045 para os solicitantes do auxílio-doença nos primeiros três meses. Para manter o benefício será preciso fazer a perícia.
V. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
19. O setor de Petróleo e Gás continua em grande pressão, mesmo diante do acordo da OPEP e Rússia. A demanda global pelo produto pode cair em 29 milhões de barris por dia, sendo o corte na oferta compartido entre os produtores não acompanham essa retração. O corte acertado entre os primeiros foi de 9,7 milhões de barris por dia.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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