NOTÍCIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA - 2ª sem de fevereiro
- Andre Cardoso
- 14 de fev. de 2020
- 7 min de leitura
São Paulo, 14 de fevereiro de 2020
Nº 003/20 – semana 2
I. INTERNACIONAL
1. As preocupações continuam voltadas para o impacto do coronavírus na economia chinesa e seu transbordamento para o mundo. As incertezas hoje estão sobre os desdobramentos no médio e longo prazo, pois no curto prazo não existem mais dúvidas sobre a queda no crescimento mundial, visto que a dependência mundial com a China é duas vezes maior que na epidemia de sars em 2003, respondendo hoje por 20% do fornecimento mundial de peças e componentes, sendo mais grave na Ásia que depende em 40% de sua cadeia de suprimento.
2. Além dos temores dos países vizinhos, que já vem sofrendo com os fluxos tanto da cadeia de fornecimento como de outros serviços, na Europa o banco Alemão, Deutsche Bank, emitiu uma nota afirmando que a Alemanha está perto de uma recessão, tendo a epidemia como uma das principais variáveismais recentes no agravamento da produção industrial do país.
3. Outra incerteza é sobre o crescimento dos EUA, que seria o outro lado da balança na economia mundial, com expectativas positivas no fim de 2019. Contudo, a valorização do dólar diante da epidemia pode prejudicar esse crescimento. Com os riscos da economia mundial a busca por dólares, como ativo mais seguro, valoriza-o sobremaneira, prejudicando a competitividade das exportações estadunidenses.
4. Com a vinda do chanceler argentino ao Brasil essa semana, o destaque para o país foi maior. A grande tarefa do emissário argentino é além de reconstruir as pontes entre Brasil e Argentina, buscar apoio nas negociações com o FMI da dívida contraída no governo Macri. O que parece ter sido bem aceito pelo governo brasileiro. De sua dívida, o governo argentino anunciou o pagamento apenas dos juros da dívida na data de vencimento, adiando o pagamento do principal e como de praxe, o mercado reagiu mal desvalorizando ainda mais o peso em relação ao dólar. O Ministro da Economia, Martín Guzmán acusou o FMI de ser responsável pela crise econômica do país e que os novos termos pelo lado do governo frustrarão as expectativas dos credores.
II. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
5. As relações comerciais com a Argentina, estão entre os dois impactos diretos da economia mundial no crescimento brasileiro que podem alterar mais uma vez as perspectivas de crescimento, embora governo e mercados se esforcem por não ver. Principal parceiro comercial no continente latino americano, pode vir a impactar negativamente no PIB brasileiro em 0,36% no ano com a queda das exportações de manufaturas brasileiras, segundo o IBRE/FGV. As mudanças do regime de importação anunciadas pela Argentina em janeiro, que reduziram a validade das licenças de 180 para 90 dias é um elemento a mais que dificultará a entrada dos produtos brasileiros.
6. O segundo impacto direto da economia mundial no Brasil continua sendo os efeitos da epidemia do coronavírus. Para Bloomberg Economics o Brasil seria o segundo país mais atingido, com redução de 0,32 pontos do PIB. Para a UBS Brasil, banco suíço e consultoria econômica, causa espanto o último comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) não fazer menção ao caso chinês e suas possíveis repercussões no país, como se nada mudasse as projeções para o futuro próximo.
7. Dois resultados apresentados essa semana pelo IBGE vão na mesma direção de pedir mais cautela as expectativas eufóricas do mercado em uma rápida retomada do crescimento. O primeiro são os resultados do comércio varejista que apresentou queda de 0,1% em dezembro comparado a novembro de 2019. Contudo, o crescimento anual em 2019 foi de 1,8% em relação ao ano de 2018. O Outro resultado foi do setor de serviços que teve uma queda de 1,3% em dezembro comparado a novembro de 2019, a maior queda foi no setor de transporte, sensível à demanda industrial. No acumulado do ano o setor teve uma alta de 1% em 2019.
III. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
8. Com o debate da reforma tributária no jogo político, o Valor Econômico apresentou como foram divididos a participação dos impostos sobre os grupos tributados no ano de 2019 em relação a 2018. A maior participação dos impostos em 2019 foi sobre a renda e patrimônio de 35,5%, maior índice da série medida pela Receita Federal desde 2014. Os tributos sobre os salários aumentaram sua participação de 29,8% para 31,9%, já do consumo teve queda para 27,9%. Esse aumento na tributação sobre renda e patrimônio tratou-se de uma movimentação sazonal por conta de reorganizações societárias e receitas com fundos de investimento de renda fixa. Economistas ouvidos pelo jornal avaliam que é possível aumentar ainda os tributos sobre a renda e patrimônio.
9. Mas a briga em torno dessa reforma se encontra entre governo federal e Estados, tendo o segundo o receio de não garantir recursos com a perda do controle direto sobre o ICMS, com a criação de um imposto único, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A saída que o governo federal vem apresentando é a repartição entre os estados dos recursos do petróleo.
10. Sobre os recursos do petróleo, os governos estaduais estão buscando uma saída para a divisão dos royalties do petróleo, a partir da lei de 2013 que estabelecia que os Estados não produtos receberiam valores mais elevados dos royalties, barrado por liminar a pedido do Estado do Rio de Janeiro. Foi montado um grupo de trabalho que busca construir um acordo em comum até o mês de abril.
11. Sobre os investimentos, o governo federal projeta para o ano de 2020 ofertar 44 ativos nas concessões para obras de infraestrutura. E no setor de energia uma demanda de investimentos de R$ 2,3 trilhões para aumentar sua capacidade instalada e atender o crescimento projetado para a economia brasileira de 2,9% até 2029. E na busca por recursos que mostrem seu compromisso com a austeridade, a meta do governo federal é vender 465 imóveis da União em 2020, arrecadando R$ 3 bilhões.
IV. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
12. A espera pelo aumento do consumo das famílias foi frustrado com os resultados do varejo apresentados pelo IBGE (queda de 0,1% em dezembro comparado a novembro de 2019). Com isso, o debate por mais reduções na taxa básica de juros (SELIC) é reforçado, com o custo maior da mais desvalorização do real, visto que não contribuem com os ganhos financeiros, oferecendo menores retornos nesse setor. O que reflete na projeção para a inflação no ano de 2020, cada vez menores, com um mercado de consumo ainda desaquecido. A pressão dos preços das carnes já mostrou queda no mês de janeiro.
V. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
13. O coronavírus mostra impactos diferenciados de acordo com a renda segundo o estudo do ex-secretário dos EUA Lawrence Summers (Pandemic Risk: How large are the Expected Losses?). Para ele a epidemia no capitalismo agravaria ainda mais a desigualdade de renda mundial, tendo tem maior impacto sob as camadas mais pobres da sociedade. Enquanto que para os mais ricos o impacto na renda seria de -0,3%, para as camadas de renda média baixa seria de -1,6%.
14. A reforma trabalhista e as situações dos índios no Brasil devem levar mais pressão sobre o Brasil na OIT, com as críticas do comitê independente do órgão sobre os dois temas. No primeiro, a crítica cai sobre a prevalência do negociado sobre o legislado ser muito amplo, levando a retirada de direitos e rebaixamento do piso da lei, desincentivando também o envolvimento dos trabalhadores em negociações coletivas. A segunda crítica diz respeito a convenção 169 sobre a consulta as comunidades indígenas sobre a exploração das terras. O projeto de Bolsonaro para a regulamentação a mineração em terras indígenas caminha no sentido contrário.
15. No tema da reforma administrativa, que atinge diretamente o trabalhador do setor público, depois das declarações de Guedes chamando os funcionários de “parasitas” o governo observou maior dificuldade em encaminhar sua proposta. O governo agora tem afirmado que os direitos dos atuais trabalhadores não serão tocados, inclusive na questão da estabilidade, mas está atendo ao clima político para avançar com sua proposta.
16. Segundo os dados da Pnad Contínua do IBGE, o trabalho por conta própria tem aumentado na indústria brasileira, o que antes era comum apenas para o setor de serviços. De 2012 a 2019 os empregos com carteira assinada reduziram em 1,35 milhão e os por conta própria aumentaram em 347 mil, aumento de 16%. O setor que tem maior participação de trabalhadores por conta própria são o têxtil (41,5%), seguido pela fabricação de móveis e produtos de madeira (13,4%) e de alimentos com 9,5% (laticínios com 4,2%, fabricação de produtos amiláceos e de alimentos para animais 3,1% e fabricação de outros produtos alimentícios 2,2%).
VI. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
17. No cenário externo, a decisão de Trump de tirar o Brasil da lista de países em desenvolvimento pode vir a prejudicar mais uma vez a indústria siderúrgica brasileira, podendo ter mais sobretaxas e processos de investigação de antissubsídios pelos EUA. Embora a CNI tenha apontado como algo negativo e ilegal, o governo Bolsonaro preferiu não tratar do tema.
18. No setor do petróleo, a Petrobras apresentou em 2019 recorde na exportação de óleo cru, com um aumento de 25,2% em relação ao ano de 2018. O pré-sal respondeu por 59% do volume de óleo produzido. Contudo, com a greve dos trabalhadores da empresa, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) afirma o risco de impacto negativo na produção e abastecimento do produto no país, embora a empresa afirme ainda não haver impacto na produção.
19. Nas exportações agrícolas, o mês de janeiro fechou em queda de 9,4% em relação ao mesmo mês de 2019, mesmo com os embarques de carne ainda aquecidos (podendo ter uma inversão desse quadro em fevereiro por conta das dificuldades chinesas com o coronavírus). A Celulose teve uma queda de 33,8% e a soja e derivados uma queda de 31%. A menor demanda chinesa é a grande responsável.
20. Mesmo assim, a safra 2019/20 indica novo recorde puxada pela produção da soja, com um volume maior de 7,1% comparada a safra anterior, mantendo o Brasil na liderança da produção mundial do produto, a frente dos EUA. A produção do milho também indica crescimento de 1,6% comparada a safra anterior.
21. Com a queda das exportações e aumento da produção nacional dos produtos agrícolas, sabendo que o pilar dessas duas variáveis é a economia chinesa, o Ministério da Agricultura criou o “Núcleo China” em suas estruturas que irá cuidar diretamente das relações com esse país. Entre os objetivos estão a abertura comercial e atração de investimentos.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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