São Paulo, 24 de janeiro de 2020
Nº 002/20 – 4ª semana
I. PIB E CRESCIMENTO ECONÔMICO
1. Apesar da euforia do mercado e do governo com a volta do crescimento econômico, os investimentos estrangeiros no país não tem se confirmado e a resposta para isso é a pouca confiança do exterior no crescimento real da economia brasileira, bem como a imagem negativa que o país tem passado para fora, em especial nas questões ambientais. Se as projeções de crescimento em 2% do PIB para esse ano se concretizarem, com um déficit em conta corrente de 3% do PIB, pode levar a um aumento da dívida pública para financiar esse processo.
2. Corroborando com a visão de que o crescimento não está tão certo, os cálculos do hiato do produto feitas pela consultoria LCA Consultores se encontra em -5%. Esse indicador diz o quanto o PIB real está distante do PIB potencial, quando negativo aponta o grau de ociosidade da economia brasileira, o que o indicador tem afirmado. Essa distância negativa entre o real e o potencial pode levar a uma perda de até dois pontos percentuais do PIB do resultado primário do setor público. Sem políticas fiscais que fomentem a economia, na verdade o contrário é que tem sido feito, dificilmente poderemos assistir um crescimento sustentado, sem estímulo ao investimento privado
3. A aposta continua no consumo das famílias, com o crescimento do varejo por conta dos juros baixos e melhores condições ao crédito. A questão agora é estimular o povo a consumir, alcançando-os onde quer que estejam. É o que faz o último estudo dos institutos Data Favela e Locomotiva, que apontam que as favelas são um grande mercado consumidor pouco trabalhado. Segundo suas estimativas o poder de consumo das favelas é de R$ 119,8 milhões por ano, montante superior a massa de rendimento do Paraguai, Uruguai e Bolívia. São 13,6 milhões de moradores dessas comunidades com uma renda per capita de R$ 734,10. Desse total de moradores 71% declaram renda do trabalho (formal e informal), 40% recebem auxílio-desemprego, 24% recursos do Programa Bolsa Família e 15% vivem da aposentadoria e pensão.
II. CONTAS PÚBLICAS E INVESTIMENTOS
4. O ano de 2019 fechou com o maior nível de arrecadação, segundo a Receita Federal, voltando ao nível de arrecadação pré-crise (2014). A projeção para esse ano é que mantenha o crescimento acima dos índices de crescimento do PIB. Entre as arrecadações que mais cresceram foi do setor de extração de minerais metálicos, com uma variação de 59,7%. Em valores absolutos, a Receita Previdenciária foi a que teve maior participação nessa arrecadação.
5. Ainda sobre as despesas e receitas do governo federal, a projeção apresentada pelo Ministério da Economia é que haverá uma queda no pagamento de juros de R$ 417,6 bilhões durante os quatro anos do governo Bolsonaro. Ainda segundo o ministério, isso seria quase metade da economia de dez anos que seria feita com a Reforma da Previdência, projetada em R$ 855,7 bilhões.
6. As privatizações são outra grande aposta para auxiliar nesse aumento da arrecadação pública. A projeção e de alcançar o valor de R$ 150 bilhões com as privatizações e desinvestimentos, tendo a Eletrobras como foco na privatização planejada. Segundo a Associação dos Engenheiros e Técnicos da Eletrobras, ela é uma empresa superavitária que contribue de longe com a arrecadação pública, aportando só em 2019 R$ 700 milhões para o Tesouro Nacional. Seus dados mostram que a empresa está saudável financeiramente e apta para fazer mais investimentos e o que impede de fazê-los é o seu principal controlador, o governo federal.
7. A Petrobras entra nesses cálculos do governo, em especial a venda de suas ações feitas pelo BNDES (9,86% da ações ordinárias, elimitando sua participaçao acionária), com objetivo futuro de melhorar o resultado primário da União. A projeção dessas vendas está entre R$ 19,6 bilhões e R$ 23,5 bilhões.
8. A frustração do governo em não consolidar seus planos de vendas pode ser observado no adiamento dos leilões dos campos de petróleo de Sépia e Atapu, que era projetado arrecadar com esse leilão R$ 24,5 bilhões nesse ano com o título de bônus de assinatura. A receita atingida ano passado com os leilões de petróleo foram de R$ 83,9 bilhões, grande responsável pela queda do déficit primário.
9. Por fim, a UPS, multinacional de logística dos EUA está interessada nesses planos de desestatização do governo brasileiro, especificamente na privatização dos Correios. Esse interesse foi noticiado no Fórum Econômico Mundial ao ministro Paulo Guedes, que afirmou que sua venda vai ocorrer até o ano de 2021.
III. INFLAÇÃO E PREÇO DOS ALIMENTOS
10. No mais novo capítulo sobre o preço da carne, as grandes exportadoras para a China tem sofrido um duro revés. Os importadores asiáticos tem imposto um desconto sobre a carne de 30%, derrubando a rentabilidade dos frigoríficos. Isso tem impacto mais forte os pequenos e médios que não tem condições de arcar com esse desconto, apresentando resultados negativos.
11. Com isso, o preço da carne no Brasil já tem recuado nesse ano. Hoje a carcaça bovina já está em R$ 11,50 o quilo. Em novembro do ano passado ela estava sendo vendida por R$ 16 o quilo. No IGP-M, foi de uma variação de 15,4% em dezembro para 2,74% em janeiro. A previsão é que essa variação caia ainda mais.
12. Contudo, a alta dependência do consumo chinês vem aumentando pela grandeza desse país. A China importou de carne de porco em 2019, 3,2 milhões de toneladas e a projeção para esse ano é que aumente em mais um milhão. Isso equivaleria a toda a carne de porco produzida pelo Brasil. Em 2019 o Brasil produziu 4,2 milhões de carne de porco e exportou 750,3 mil toneladas. Mas com as medidas de controle e descontos aplicados pelos importadores da China, apenas as grandes empresas frigoríficas tem condições de atender o mercado, como a JBS, Marfrig, e BRFoods.
IV. MERCADO DE TRABALHO E RENDA
13. A OIT apontou que as turbulências internacionais estão em alta como reação ao crescimento das desigualdades econômicas e sociais. As maiores turbulências ocorrem na Argélia, Egito, Sudão, Bolívia, Chile, Equador e Venezuela. Há no mundo hoje 188 milhões de desempregados, 165 milhões têm emprego, mas desejam trabalhar mais horas e 120 milhões estão marginalmente vinculadas ao mercado de trabalho. No total são 470 milhões de pessoas no mundo sem emprego ou em condições precárias de trabalho. Na informalidade são 2 bilhões de trabalhadores, representando 61% da força de trabalho mundial. E 630 milhões vivendo na pobreza extrema, recebendo menos de US$ 3,20 por dia.
14. Ainda segundo a OIT, as taxas de desemprego na América Latina e no Brasil continuarão em patamares elavados, projetando para o Brasil uma taxa de 11,4% em 2025, taxa essa três vezes maior que a média global de 5,4%. Na AL a participação dos trabalhadores informais na força de trabalho era de 53,1% em 2019.
15. Um dos efeitos dessas altas taxas de desemprego é a perda do poder de negociação da classe trabalhadora. Segundo a FIPE a maior parte das negociações salariais de 2019 ficaram abaixo da inflação, tiveram perdas reais nos salários. 25% tiveram reajustes abaixo da inflação, 25,6% tiveram reajustes iguais a inflação e 49,4% tiveram reajustes acima da inflação. Em 2018 foram 75,5% de reajustes acima da inflação conquistados.
V. INDÚSTRIA E AGRONEGÓCIO
16. Na clara defesa ao governo federal em entregar sua soberania sobre seus recursos estratégicos, a diretoria da Petrobras diz não se incomodar com a perda do direito de preferência na aquisição de áreas do pré-sal nos leilões sob o regime de partilha. Analisam que a ausência das multinacionais na sexta rodada foi um recado para o Brasil sobre o incômodo com essa regra. O que tem sido respondido de pronto pela diretoria dizendo que não querem privilégios, mas condições iguais de concorrer com as grandes empresas como a Exxon e BP.
17. Ainda que os dados não apontem um crescimento sustentável, os industriais mostram confiança na economia, segundo a sondagem feita pela FGV. Mais do que confiança econômica, o presidente da FIESP, Paulo Skaf, tem mostrado forte alinhamento ao governo Bolsonaro, colaborando com a criação do Aliança para o Brasil, partido a ser criado pelo presidente.
18. Na contramão da defesa da indústria, o governo busca fazer a adesão integral ao Acordo de Compras Governamentais da OMC, que vai abrir para empresas estrangeiras as licitações públicas com tratamento isonômico a empresas nacionais, o que tem grande possibilidade de piorar as condições da indústria nacional, destruindo um dos pilares das políticas industriais passadas. As associações e sindicatos patronais da indústria e construção civil tem apoiado essa medida.
VI. INTERNACIONAL
19. O FMI frustrou as expectativas de crescimento projetadas pelos presentes em Davos. Os dados não só mostraram que o ano de 2019 foi fraco, mas que os dois próximos anos projetados seguirão a mesma trajetória, crescendo a uma taxa inferior aos 3,6% registrados em 2018. Para eles as expectativas de retomada do mercado ainda nao foram detectadas, podendo alterar as perspectivas apresentadas. Avaliam que os riscos globais diminuíram, mas as tensões no Oriente Médio e em relação as questões climáticas permanecem.
20. A Oxfam apresentou um estudo que mostra a intensificação da desigualdade onde 2.153 indivíduos no mundo detém mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas, o equivalente a 60% a população global. “Os 22 homens mais ricos do mundo detém mais riqueza do que todas as mulheres da África”, afirmam.
21. Sobre a Guerra comercial entre China e EUA, o economista Martin Wolf afirma que o acordo assinado por eles além de ser parcial é falho. A sua explicação é que a China jamais concordará com a inferioridade econômica e tecnologia permanente. Mostra que boa parte das medidas aceitas pela China já estavam em movimentação pelos planos do país. Mas que a grande questão que é o ciber-roubo comercial, os subsídios industriais e o programa Made in China 2025, destinado a atualizar a sofisticação tecnológica da economia não foram englobados no acordo.
André Cardoso
Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
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